Uma pessoa pode procurar mais informações, analisar casos similares, iniciar esse processo com a antecedência que preferir, mas o máximo que consegue é entendê-la melhor: não há uma forma de se preparar para enfrentar uma partida. O fim deste veículo terá efeito muito profundo em alguns, indiferença em outros e até motivará festa para outros, mas tudo isso apenas converge a que a Kombi foi um dos carros mais especiais a passar pelo Brasil. E este status ela começou a merecer muito, mas muito antes dos 56 anos que completa.
Assim como do Fusca original, seu companheiro de longa data, falar da história da Kombi seria repetir algo que quase todo brasileiro conhece muito bem. Além de terem iniciado a fama da Volkswagen ao redor do mundo, os dois estiveram entre os primeiros exemplos de automóveis a ganhar importância no Brasil. O caso do utilitário ganhou atenção especial primeiro por causa da campanha publicitária realizada por sua marca, que não encontrou outra igual até hoje. Eram anúncios em papel e em vídeo que buscavam associar o carro a vários aspectos da vida do brasileiro, além de fazê-lo com um humor único. Essa fama tão boa logo fez a Kombi cair no gosto de quem buscava um veículo amplo, resistente e barato de manter. Sua segunda fase chegou aqui em 1975, e não era mais que uma re-estilização como as que se veem com tanta frequência nos dias de hoje. Mas ela foi mais importante por ter marcado a mudança de foco que a VW lhe deu. Aproximar-se dos vinte anos tornava difícil manter a fama de carro de lazer com a qual ela começou sua carreira. Então, em vez de tentar brigar com rivais mais novos ela se voltou ao trabalho pesado.
Era interessante notar que a publicidade se adaptou à nova direção, mas sem perder o tal humor famoso em momento algum. Na verdade, pode-se dizer que a Kombi só começou a enfrentar dificuldades reais a partir dos anos 1990. Os modelos das outras marcas quase nunca conseguiram fazer concorrência importante, seja por serem muito mais caros ou por serem menores, mas seu feito maior foi abrir os olhos do brasileiro para a estagnação da “velha senhora”. O projeto passou a depender cada vez mais exclusivamente dos custos reduzidos, porque todos os outros aspectos começaram a se tornar decepções: a dirigibilidade nunca foi um forte, o conforto se resume na impossibilidade de ter ar-condicionado ou direção hidráulica, o motor 1.6 boxer “a ar” era ineficiente, e a segurança… Pode-se dizer que foi a falta dela que apressou as mudanças de 1997: uma falha de projeto do motor tornava muito fácil a ocorrência de incêndios, especialmente em unidades com manutenção deficiente. Além de corrigir isso, a VW lhe deu teto elevado, ampliou janelas e espaço interno e trouxe a porta lateral corrediça, desejada desde 1975. E no que dependesse da marca ela não mudaria mais, enquanto continuasse vendendo bem.
Foram as mudanças na legislação que empurraram a Kombi a adotar primeiro injeção eletrônica e depois o motor refrigerado a água que se usa até hoje. Curiosamente, a mesma legislação resultou ser sua causa mortis, depois de tantos anos: seu projeto não tem como receber o airbag duplo e os freios ABS, que serão obrigatórios em todo veículo nacional a partir de 2014. Somar isso ao desejo da VW de modernizar a imagem de sua linha ao redor do mundo (o que já motivou o fim do Beetle mexicano em 2003 e do Citi sul-africano em 2009) e ao fato de que a concorrência só tende a ficar exponencialmente mais acirrada nos próximos anos termina de explicar o fim do veículo que foi produzido por mais tempo em solo brasileiro. Sua edição de despedida sairá por surpreendentes R$ 85 mil, e traz toda uma série de exclusividades que remetem aos próprios tempos áureos. Capitaneado pela saudosa pintura saia-e-blusa sempre em branco e azul-claro, o exterior soma grade superior e molduras dos farois em azul, luzes de direção brancas, adesivos alusivos, vidros escurecidos e até pneus faixa-branca, mesma cor das rodas.
Seu interior repetiu as cores mas ganhou muito mais: os bancos de vinil alternam faixas em azul Atlanta e branco na frente e cinza Lotus no demais, a primeira cor se repete nas forrações laterais, assoalho e estepe são revestidos em carpete dilour Basalto, o teto é revestido em Stampatto e o charme se completa com as cortinas de tear na mesma dupla de cores, que só excetuam vidro e janelas dianteiros – ela honra as versões luxuosas de outrora incluindo até as presilhas com seu nome bordado. Além disso, o quadro de instrumentos ganhou novo grafismo, o console exibe uma placa de aço escovado com o número da unidade (serão 600) e até ostenta um respiro de modernidade: um sistema de som multimídia, que não deve nada ao de nenhum outro nacional. Abrir o porta-luvas, por fim, revela o manual do proprietário com capa especial e um certificado de autenticidade do exemplar.