Lembra de quando o governo esboçou atrasar a obrigatoriedade de airbag duplo e freios ABS? Algumas marcas até arranharam sua imagem ao anunciar que retomariam a produção dos modelos que deveriam sair de linha, mas felizmente as leis terminaram intactas. Talvez para não correr riscos, a Fiat preferiu esperar mais e agora oficializa a despedida do seu veterano. Em vez de gastar com circunstância e pompa (e cobrar por isso), os italianos preferiram a sutileza de um nome muito acertado. É o que você está prestes a conferir.
Assim como com atores e cantores, pode-se dizer que montadoras de carros também têm aquele trabalho em especial que lhes trouxe o reconhecimento massivo do público pela primeira vez. Um dos casos mais recentes disso foi o Sonata, cuja geração atual veio em 2008 e catapultou a Hyundai da posição de montadora "neutra" e até "desconhecida" ao status de objeto de desejo. Já um dos mais antigos é o Fusca, originalmente chamado de Sedan, que conseguiu colocar a Volkswagen no mapa automotivo ainda nos anos 1950. Mas como as regras de mercado variam muito com cada país, também é bem fácil que os Ghost ou Basic Instinct resultem ser produtos diferentes para cada um.
Quando se fala na Fiat várias categorias de veículos venham à mente, mas é muito interessante de ver o contraste de que os sucessos de crítica venham sendo seus modelos mais caros, ao passo que os best-sellers costumam ser os populares. No Brasil, uma tradução muito boa do primeiro caso foi a família Marea. Já o segundo deveria ter começado com os pioneiros da linha 147, mas acabou ficando para depois. Seja pela falta de tradição aqui, infra-estrutura em crescimento ou mesmo pelo tamanho reduzido do mercado da época, a fábrica de Turim precisaria de mais tempo para realmente cair no gosto dos brasileiros. O responsável por tal feito, então, viria a ser o modelo que estreou no Brasil em 1984.
Porém, a estratégia que se aplicou terminou fazendo o Uno original associar sua imagem à esportividade, graças a versões como 1.5R, 1.6R e mais tarde, em especial, Turbo. Com isso, mais uma vez surgiu a situação de esses carros atraírem elogios de muita gente, mas aparecerem nas ruas em número menor. A reviravolta só aconteceu no começo dos anos 1990, quando o governo usou o IPI para incentivar a produção de modelos mais populares. Essa foi a época em que a Fiat se antecipou às concorrentes e criou uma versão simplificada do Uno, que perdeu equipamentos o suficiente para usar o indesejado motor 1.0 e ainda andar bem. Que nome apresentaria melhor tal novidade do que Uno Mille?
Nascia, então, um sucesso. A Fiat se valeu de que o projeto do carro sempre previu motores pequenos, de forma que a parte mecânica pôde ficar quase intacta. Isso lhe permitiu lançar a nova versão muito rápido, a ponto de ela ter passado vários meses sem receber rivais diretos – e mesmo quando vieram, o único que conseguiu competir de verdade foi o Ford Escort Hobby. O Uno Mille não chegou a roubar a liderança de vendas do Gol, mas vendeu bem o suficiente para ajudar a Fiat nacional a ter o mesmo prestígio que Chevrolet, Ford e Volkswagen, criando o tal grupo das “Quatro Grandes”. Tal conquista só se torna ainda maior ao lembrar que os italianos chegaram aqui décadas mais tarde que as outras marcas.
Com uma reputação tão boa, o Uno Mille fez por merecer vida longa por aqui. A chegada da linha Palio deveria tomar o lugar do Uno e seus derivados assim como estes substituíram a família 147, mas o popular pioneiro fez um público tão estável que acabou resistindo. Virou Mille, ganhou retoques bem leves e se dedicou a ser o carro mais barato do país. Pode parecer simples, mas essa receita foi capaz de lhe fazer resistir às versões básicas que o Palio ganhou e até à nova geração do próprio Uno, que veio apenas para nós – cada um encontrou seu nicho de vendas, mas todos ficaram acima do veterano. O Mille ainda ganharia um facelift, versão pseudo-aventureira e séries especiais, e agora só sai de linha porque não cumpre as novas normas de segurança.
Esta é a razão de existir do carro deste artigo, aliás. A Fiat honrou as raízes e fez de seu nome uma homenagem de muito bom gosto ao público brasileiro. Grazie Mille é a expressão italiana para “muito obrigado”, e define a edição de R$ 31.200, limitada a duas mil unidades. O exterior traz adesivos alusivos, farois com máscara negra, lanternas escurecidas, ponteira de escape esportiva, rodas de liga leve aro 13” em cinza e frisos laterais, e vem em prata Bari ou no exclusivo verde Saquarema. Já a cabine tem bancos, forro de teto e colunas, revestimento dos bancos e as soleiras como exclusividades, além de pedaleiras esportivas e uma plaqueta alusiva à série. Seus itens de série correspondem ao pacote completo.